terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Num campo dourado

Quem vê os dois caminhando em direção ao campo dourado, nem imagina que estão se despedindo. Definitivamente é difícil acreditar que aquela garota, de cabelos de ouro, tão apaixonada vá seguir um caminho diferente de seu não menos arrebatado amado. 
O sopro oeste perpassa e eles se abraçam.
Chegam, então, ao campo e o abraço dele é leve, ao ligeiro cair dela sobre si. O vento eleva o cabelo da garota. Cai sobre os ombros do rapaz, do mesmo jeito que a cevada balança ao sereno comando do vento oeste. Certamente, para ele, essa lembrança jamais será esquecida. Os dois sorriram ao balançar dourado. A brisa também conforta. Gostos comuns, eternamente serão recordados. Duvidam que o sol forte seja lembrado, mesmo assentindo que o céu azul é esplendoroso. 
Percebem. Existe um ou mais modos de elevar ainda mais aquele momento, a despedida. Há certa inquietação, uma urgência diferente. Antes que seja tarde e seus caminhos sigam por estradas diferentes. O beijo. Entre os campos de ouro eles se tocam mais intensamente, para tornar esse momento inesquecível. Realmente é possível guardar tais lembranças a ponto de um dia, ter-se a certeza que alguém te ama, mesmo longe? Naquele instante só a certeza do momento diz sim a esta possibilidade. A intensidade do beijo. O vento leve e vivo envolvendo seus corpos. A imensidão de ouro e brilho ao redor deles. 
Sabem das muito poucas promessas feitas neste lugar. Jamais vãs. Algumas não cumpridas. Talvez nunca se realizem. Todavia, abraçados, sentados e contemplando o horizonte dourado, parecem ter certeza do retorno. De que fariam pouco da distância e do tempo? 
Ao menos um dia se essa única promessa tola não se fizesse, saberiam que ao ver outros, pequeninos, adultos, namorados, idosos, seja quem for caminhando num mar de ouro qualquer, lembrariam dos momentos vividos aqui. Deste momento, do toque. Da brisa oeste e do balançar da cevada. Do cabelo sobre o ombro e do abraço protetor. Do beijo e quem sabe até do sol quente. Mas, sobretudo, de se darem a chance de amar, bucolicamente, em campos de ouro.


sábado, 4 de fevereiro de 2012

A licença do mendigo

por Naiana Freitas

Um dia desses sentou ao meu lado um mendigo no ônibus. A princípio, pensei esse cara pode me assaltar. Aliás, tenho pensado nisso quase sempre quando sinto alguém muito próximo de mim. É a paranoia urbana. Mas, o "cara" sujo e roto foi bastante educado com todos no ônibus. Como o traje tornou-se um marcador social, obviamente percebi que ele vivia na rua, porque estava sujo e descalço. É claro, que ele não tinha um bom cheiro. Mas, tem gente que tem casa e tem mau cheiro também... É menos compreensível aceitar um mau cheiro de quem pode não ter do que um mau cheiro de quem não pode evitar. Lembro muito bem, que todos que passavam por mim, olhavam assim: essa menina deve ser louca, sentada ao lado de um cara assim não cheiroso. Acredite, eu fiquei mais constrangida por tanta interrogação ao meu lado do que com um possível roubo. Por fim, seguindo minha boa religiosidade inventada preferi continuar sentada ao lado do mendigo. Pelo simples motivo, não gostaria que nenhum humano levantasse para sentar em outro lugar por me considerar suja, pobre e desarrumada. Depois, parece que o mendigo chegou ao seu destino e para levantar me pediu licença. Ato raro daqueles que tomam banho todo dia.